1. Nota de Conexões de Saberes e CEPRAST, sobre a tragédia da Vale Samarco em Mariana
Barragens, barreiras de prevenção e limites da segurança
A catástrofe consequente ao rompimento das barragens de rejeito da Samarco não deixa ninguém indiferente diante das tragédias humanas e dos danos ambientais, mas também nos concerne a todos quanto às lições para melhorar a prevenção de riscos. Como disseram especialistas em análise de acidentes: “Os acidentes estão no centro da nossa obra porque eles são reveladores poderosos das disfunções organizacionais, motores poderosos de reflexão dado que eles questionam nossa capacidade de análise e de diagnóstico. Os acidentes são, finalmente, “semeadores de inquietações” porque eles desestabilizam nossas representações sobre a segurança e a prevenção”. (Llory M.; Montmayeul R., O acidente e a Organização. 2014. p. xxxi).
Nesse momento, o debate se tornou público e cada um repete opiniões ou cria sua própria explicação do acidente. Certamente é cedo para desvendar a complexa rede de causas que precede qualquer acidente, mas já é possível tirar algumas lições para que a sociedade como um todo possa aumentar o controle sobre tecnologias de risco. Muitas vozes já se expressaram a respeito do acidente: especialistas sugerem origens sísmicas, outros mencionam laudos apontando problemas já antigos, e a eficácia dos protocolos de controle institucionais também foi colocada em causa. Os sindicatos já denunciaram o desinteresse do capital pela segurança, em busca do máximo possível de lucros imediatos. Alertas dos trabalhadores teriam sido desconsiderados pela administração da empresa. Jornalistas já elegeram a negligência gerencial como causa do acidente, mesmo quando existiam laudos técnicos apontando os riscos. Deputados no Congresso pedem a “punição exemplar” dos responsáveis, mesmo sem saber se ainda existe algum ato culposo.
Nenhuma dessas posições, no entanto, embora todas contenham parte da verdade, tocam na questão essencial: por que ações preventivas não foram iniciadas a tempo de evitar uma catástrofe cujas consequências humanas, sociais, ambientais e econômicas são imensuráveis?
O desafio de toda análise de acidente é objetivar os determinantes concretos das decisões e formas de agir. Mesmo explicações aparentemente “óbvias”, como os conflitos de interesses econômicos, não podem ser tomadas como suficientes. Nenhum gestor convencido da existência de riscos importantes ficaria surdo, em sã consciência, à necessidade de perseguir segurança, sobretudo a perda de uma barragem que inviabiliza a continuidade das operações. Qual terá sido, então, a rede de determinantes que dificultou o reconhecimento e a valorização dos riscos e a transformação desse reconhecimento em ações corretivas imediatas?
A maior dificuldade em análise de acidentes é evitar a ilusão retrospectiva, que julga o passado pelo presente, avaliando as decisões tomadas em momentos anteriores pelas consequências verificadas a posteriori. Após os eventos, todas as ambiguidades e incertezas que habitam as decisões prévias desparecem e a sequência causal fica mais evidente. O que era apenas possível torna-se factual, o que era uma avaliação subjetiva, torna-se objetivo. Evidentemente, tanto quanto possível, deve ser estabelecida de forma rigorosa a rede causal que provocou o colapso das barragens. A prevenção de novas tragédias depende das lições que tiramos dos acidentes maiores ou menores. No entanto, procurar explicações fáceis, independentemente das ideologias sociais que adotamos, impede que esses eventos sejam compreendidos em toda sua complexidade e, por conseguinte, limitam nossa capacidade de prevenção. Não se explica o acidente de Fukushima pelo tsunami, muito menos o rompimento de uma barragem em Minas Gerais por abalos sísmicos. Por outro lado, não se ganha muito em denunciar o abuso do poder econômico das grandes empresas (desde Marx, sabemos que o capital só acumula riquezas dilapidando as duas fontes da riqueza: a natureza e o homem) ou a negligência dos administradores em relação à realidade dos sistemas de produção que eles gerenciam, uma vez que toda decisão gerencial é sempre tomada em desconhecimento parcial das circunstâncias. Explicações do senso comum não se prestam para compreensão de realidades complexas, e achar um culpado é evidência de análise no mínimo incompleta, com certeza superficial. Mesmo quando se trata de um erro, parar a análise na imputação de culpa, impede a compreensão de como uma decisão equivocada aconteceu.
Assim, para que a sociedade brasileira aprenda com essa experiência traumática é necessário, antes, reconhecer toda a complexidade subjacente à operação cotidiana de qualquer sistema de produção. Em termos de prevenção, isso implica que:
1. Alertas sejam não apenas encorajados, mas reconhecidos em sua gravidade e urgência: o mais difícil não é identificar os alertas, mas sim atribuir-lhes um valor (como reconhecer se um risco é iminente para fundamentar o exercício do direito de recusa?);
2. Eliminar as barreiras que separam gestores/especialistas e trabalhadores e institui uma hierarquia de poder que reproduz uma hierarquia de saberes: sistemas complexos podem ser controlados apenas por uma organização complexa, na qual cada nível deve ter voz e poder de agir. Nas relações de poder que prevalecem nas empresas, o direito de recusa em trabalhar em situações de risco iminente é uma fantasia jurídica;
3. Assentar o funcionamento estável de um sistema complexo em alguns poucos responsáveis é tão eficaz quanto o sacrifício do bode expiatório. O controle social de tecnologias que apresentam riscos em escala social somente pode avançar com o compartilhamento social das decisões e das responsabilidades.
4. A análise dos acidentes, como esse, seja compartilhada com instituições capazes de ampliar a compreensão dos diversos determinantes de vulnerabilidade a acidentes, incluindo aspectos organizacionais e sociotécnicos.
Não se trata, aqui, de aproveitar a oportunidade de uma catástrofe para defender utopias libertárias, mas sim de reconhecer que sistemas autoritários de gestão são incapazes de manter sob controle a integridade de sistemas sociotécnicos complexos. Porta-aviões militares e equipes de fórmula 1 horizontalizam as decisões relativas aos riscos operacionais; centrais nucleares funcionam melhor quando os supervisores deixam os escritórios e se aproximam das equipes de campo; a NASA reavaliou seus procedimentos para evitar catástrofes como da Challenger e da Columbia; os médicos reconheceram que pacientes podiam ajudar a desenvolver o controle da AIDS, ou que erros cirúrgicos podem ser evitados se os pacientes são integrados aos sistemas de prevenção. Se ainda estamos longe de democratizar o poder econômico, que pelos menos se reconheça, com alguma sabedoria, que o saber técnico não é exclusividade dos especialistas. Somente assim podemos avançar na prevenção de riscos em sistemas complexos. Caso contrário, catástrofes como essas continuarão a ocorrer...
2. http://tijolaco.com.br/blog/olha-ai-dilma-como-transformar-o-crime-da-samarco-em-casas-para-o-povo/
Esse tema continua dando panos para mangas
PB
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Horror político (Paris) e horror econômico (Mariana)
Gradei dessa reflexão sobre O horror político (Paris) e o horror econômico (Mariana)
http://outraspalavras.net/alceucastilho/2015/11/14/de-paris-ao-rio-doce-do-horror-politico-ao-horror-economico/
PB
Horror político (Paris) e horror econômico (Mariana)
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PB