Artigo com debate importante publicado na página Medscape. Há questões éticas importantes no debate e a participação de autores citados em comitês da Organização Mundial de Saúde só aumenta os motivos para preocupações.
O texto em três partes anexadas abaixo pode ser acessado vias links também disponibilizados nessa postagem.
Estudo comparando máscaras cirúrgicas a máscaras N95 desperta preocupações
Kate Johnson 19 de dezembro de 2022
Um ensaio clínico randomizado indicando que as máscaras cirúrgicas não são inferiores às máscaras N95 na proteção dos profissionais de saúde contra a covid-19 suscitou críticas internacionais.
O autor sênior do estudo é o Dr. John Conly, especialista em doenças infeciosas e professor da Cumming School of Medicine, da University of Calgary, no Canadá, atuando no Alberta Health Services. Os achados não são compatíveis com os de muitos outros estudos sobre este tema.
Comentando sobre o estudo do Dr. John no Twitter, o Dr. Eric Topol, médico e editor-chefe do Medscape, escreveu: "Lamentavelmente não tem poder estatístico suficiente, mas descartou o dobro do risco do uso de máscaras médicas".
O estudo, que foi parcialmente financiado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), foi publicado on-line em 29 de novembro no periódico Annals of Internal Medicine.
Esta não é a primeira vez que Dr. John, que também assessora a OMS, é objeto de controvérsia. Anteriormente Dr. John negou que a covid-19 se propagasse pelo ar — posição que é contrariada por fortes evidências. No ano passado, Dr. John ganhou manchetes com sua controversa alegação de que as máscaras N95 podem causar danos, inclusive depleção de oxigênio e retenção de dióxido de carbono.
Um exame detalhado feito pelo Center for Infectious Disease Research and Policy (CIDRAP) da University of Minnesota, Minneapolis, indicou inúmeras falhas científicas no estudo, inclusive a falta de sistemática no uso dos dois tipos de máscara. O estudo também examinou profissionais de saúde em quatro países muito diferentes (Canadá, Israel, Egito e Paquistão) durante diferentes períodos da pandemia, o que pode ter influenciado os resultados. Além disso, o estudo não levou em consideração o estado vacinal e não teve grupo de controle. O CIDRAP recebe financiamento da 3M, que fabrica máscaras N95.
Em um comentário publicado junto com o estudo, o médico Dr. Roger Chou, professor de medicina na Oregon Health & Science University, Portland, nos Estados Unidos disse que os resultados "não foram definitivos", com "um limite generoso de não inferioridade" que na verdade "é compatível com um risco relativo de 70% maior (...) o que pode ser inaceitável para muitos profissionais de saúde".
O primeiro autor do estudo, o médico Dr. Mark Loeb, professor de doenças infecciosas na McMaster University, Hamilton, no Canadá, defendeu os resultados. "Os intervalos de confiança do estudo, ou seja, quais poderiam ser os resultados se o ensaio fosse repetido muitas vezes, variam de - 2,5% a 4,9%", disse ao Medscape. "Isso significa que o risco de uma infecção pela covid-19 entre os que usam máscaras médicas poderia ter variado desde a redução de 2,5% do risco até um aumento de 4,9% do risco. Os leitores e os gestores podem decidir por si a esse respeito".
Dra. Raina MacIntyre Ph.D.
"Não adianta continuar a fazer estudos sem poder estatístico suficiente e mal elaborados, projetados para confirmar vieses existentes", disse ao Medscape Dra. Raina MacIntyre, professora de biossegurança mundial e chefe do Biosecurity Program do Kirby Institute na Austrália.
Parte 2
"O novo estudo publicado no Annals of Internal Medicine é inteiramente compatível com a nossa constatação de que para prevenir a infecção, você precisa usar a N95, e precisa ser usado durante todo o plantão. A máscara cirúrgica e o uso intermitente da N95 são igualmente ineficazes. Isso não deve surpreender ninguém, dado que uma máscara cirúrgica não foi projetada como proteção respiratória, mas sim para evitar salpicos ou jatos de líquido na face. Apenas a máscara N95 foi projetada como proteção respiratória por meio da vedação em torno da face e do filtro para evitar a inalação de aerossóis contendo vírus, mas você precisa usá-la continuamente em um ambiente de alto risco como um hospital".
Dra. Kimberly Prather Ph.D.
"Não faz sentido fazer um ensaio randomizado sobre algo que você pode medir diretamente", disse ao Medscape a Dra. Kimberly Prather, Ph.D., química especialista em atmosfera, professora e diretora do NSF Center for Aerosol Impacts on Chemistry of the Environment da University of California, San Diego.
"Na verdade, muitos estudos têm mostrado aerossóis saindo através de máscaras cirúrgicas. As máscaras cirúrgicas são projetadas para bloquear grandes gotículas em aerossol. Os aerossóis (0,5 a 3,0 µm), contendo o vírus SARS-CoV-2 infectante, são transportados pelo fluxo de ar e escapam".
Dra. Trish Greenhalgh
"Este estudo (...) vai ser usado para justificar políticas de fornecimento de proteção inadequada aos profissionais de saúde, e talvez aos pacientes e aos visitantes, também", disse para o Medscape o Dr. Trish Greenhalgh, médico e professor de ciências da saúde em atendimento primário na University of Oxford no Reino Unido.
"Esses autores vêm rejeitando o tratamento da covid como doença de transmissão pelo ar há três anos", disse ao Medscape o Dr. David Fisman, epidemiologista e infectologista da University of Toronto's Dalla Lana School of Public Health no Canadá.
"Então, você verá essas pessoas brandindo este ensaio clínico muito enviesado para justificar a continuação das práticas de controle de infecções que foram desastrosas durante toda a pandemia".
Parte 3
O estudo foi financiado por Organização Mundial da Saúde, Canadian Institutes of Health Research e Fonds de recherche du Québec – Santé. Dr. John Conly informou receber subsídios de Canadian Institutes for Health Research, Pfizer e da OMS.
Dr. Roger Chou foi coautor de um dos autores do estudo Dr Mark sobre um assunto semelhante. Também revelou ser metodologista das diretrizes sobre medidas de prevenção e controle de infecções na covid-19 da OMS.
Dr. Mark Loeb informou receber remuneração por depor como perito sobre equipamentos de proteção pessoal do governo de Manitoba e do Peel District School Board.
Dra. Raina MacIntyre presta consultoria para fabricantes de máscaras Detmold e Ascend. O trabalho de consultoria para Ascend inclui um ensaio clínico randomizado em andamento de duas máscaras N95. Também recebe financiamento para pesquisa conduzida por pesquisadores sobre a influenza da empresa Sanofi. Faz parte do WHO COVID-19 Vaccine Composition TAG e do WHO SAGE Smallpox and Monkeypox Advisory Group. De 2009 a 2011, ela recebeu uma bolsa de ligação com a indústria do Australian Research Council, que tinha a 3M como parceira da indústria, para fazer um ensaio clínico controlado randomizado com máscaras de pano em comparação às máscaras médicas. Nos ensaios clínico da N95 em comparação às máscaras médicas financiados pelo National Health and Medical Research Council e pela University of New South Wales, que ela fez há mais de 10 anos, tanto máscaras médicas quanto as N95 eram produtos 3M, fornecidos como apoio para o ensaio clínico em 2009. Ao longo dos últimos 15 anos, recebeu financiamento de pesquisa ou subsídios em espécie ou fez parte de conselhos consultivos para as empresas Sanofi, GSK, Merck, Seqirus, Pfizer e CSL para trabalhos relacionados com vacinas.
Dra. Kimberly Prather informou não ter conflitos de interesse.
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