sÉRIE DE NOTICIAS SOBRE ACIDENTES E DOENÇAS DO TRABALHO
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Trabalho mata mais do que a Aids
Doenças e acidentes no exercício da profissão fazem 2,31 milhões de vítimas fatais por ano no mundo, além de mutilar e afetar a saúde de mais de 300 milhões
Fonte Normal
Mais NotíciaS Nome: Manoel Abel Oliveira Risco: Exposição ao amianto Cidade: Ipatinga
Nome: Vicente do Carmo Doença: Silicose Cidade: Nova Lima ·
Nome: Valtenir U. de Oliveira Doença: Câncer (em controle) Cidade: Ipatinga
Nome: Wesley F. de Almeida Acidente: Eletrocutado Cidade: Sabará
Nome: João Antônio Veloso Risco: Exposição ao amianto Cidade:Ipatinga
Nome: Laércio de Almeida Doença: Silicose Cidade: Nova Lima
PUBLICADO EM 26/04/15 - 03h00 ANA PAULA PEDROSA/QUEILA ARIADNE
Um segundo de distração, a falta de um equipamento ou o simples ato de respirar pode significar a diferença entre a saúde e a doença. Ou entre a vida e a morte. Esses fatores, combinados com falta de legislação rígida ou de fiscalização, matam, por ano, 2,3 milhões de pessoas no planeta. A causa em comum desses óbitos não é uma guerra ou um vírus incurável. O trabalho é o responsável por essa epidemia silenciosa, presente no mundo inteiro, mas mais intensa em países em desenvolvimento, como o Brasil.
O país registra, por ano, 737 mil casos de doenças ou acidentes laborais, o que significa 2.020 vítimas por dia com consequências que vão desde o afastamento temporário até a morte, passando por invalidez e enfermidades sem cura. Os dados são da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Anuário Estatístico da Previdência Social. Oito em cada dez vítimas prestam serviço de maneira terceirizada, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Os números são altos, mas muito maior do que eles, é o sofrimento das vítimas, que, além de terem a vida comprometida, ainda passam anos buscando fazer valerem seus direitos. São essas histórias que serão contadas na série “Epidemia silenciosa”. As reportagens serão publicadas nesta semana, que tem datas marcantes: na terça-feira é comemorado o Dia Mundial da Saúde e Segurança do Trabalho e, na sexta-feira, é comemorado o Dia do Trabalho.
Combater essa epidemia é uma corrida contra o relógio. De acordo com a OIT, a cada 15 segundos, em algum lugar do planeta, um trabalhador morre e 153 sofrem acidentes ou são diagnosticados com uma enfermidade ligada a seu ofício. Os óbitos provocados pelo trabalho superam os da Aids, que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), faz 1,8 milhão de vítimas fatais por ano no planeta. No Brasil, os novos casos de acidentes ou doentes do trabalho são 22% superiores aos cerca de 576 mil diagnósticos anuais de todos os tipos de câncer contabilizados pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca).
“A ocorrência de acidentes e doenças do trabalho no Brasil não é uma simples questão de falta de legislação ou fiscalização, mas um conjunto de fatores, aí incluída a própria fragilidade da relação de trabalho, que propicia e perpetua práticas que colocam os trabalhadores em risco”, diz o diretor-adjunto e oficial encarregado do escritório da OIT no Brasil, Stanley Arthur Gacek.
EPIDEMIA SILENCIOSA
Terceirizados sofrem mais
Com salário menor e pressão por produtividade, trabalhadores sem carteira são entre 80% e 90% dos acidentados no Brasil
Responsabilidade solidária. Quando se acidentou, Lúcio Nery era terceirizado, mas luta na Justiça para Cemig custear próteses
PUBLICADO EM 26/04/15 - 03h00 ANA PAULA PEDROSA/QUEILA ARIADNE
O primeiro fator de risco de um trabalho pode estar em um detalhe do contrato: quem assina a carteira do trabalhador. Aquele que é contratado diretamente tem um risco muito menor de se acidentar do que a pessoa que presta serviço de forma terceirizada. E esse cenário pode piorar, caso o Senado aprove o projeto que libera a terceirização em qualquer atividade da empresa – hoje, não é permitido terceirizar a atividade-fim. As novas regras já foram aprovadas na Câmara dos Deputados.
De acordo com levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), entre 80% e 90% dos acidentes acontecem entre os terceirizados. “A liberação da terceirização vai abrir caminho para agravar essa situação. Se o projeto for aprovado, vamos ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) para impedir que isso aconteça”, afirma o vice-presidente da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT), João Batista Machado Júnior.
Entre 1999 e meados de abril de 2015, 117 eletricitários a serviço da Cemig perderam a vida em acidentes de trabalho. Em média, o setor contabiliza uma morte a cada 45 dias, sendo que 82% delas acontecem entre os terceirizados. Os dados são do Sindicato dos Eletricitários de Minas Gerais (Sindieletro-MG).
Na construção civil foram 30 mortes em Minas Gerais no ano passado, 90% delas entre trabalhadores terceirizados, diz o diretor do Marreta, sindicato que representa os trabalhadores, Vilson Valdez da Silva. Soterramentos, quedas e choques elétricos são os casos mais comuns.
Já entre os petroleiros, foram dez mortes no primeiro trimestre de 2015 em todo o país, sendo oito de terceirizados. O diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Leopoldino Ferreira de Paula Martins, diz que os terceirizados não trabalham diretamente na operação, apenas no setor de manutenção. Mesmo assim, já são 360 mil na Petrobras, frente a 85 mil empregados próprios. “Se o projeto passar, eles vão ocupar espaço na operação também, e a situação vai piorar muito”, alerta.
Tratamento Desigual. No setor elétrico já aconteceram dois óbitos em Minas, neste ano, ambos entre os terceirizados. “Esses trabalhadores têm um treinamento e uma remuneração menores, e mais pressão por produtividade. Essa fórmula resulta em acidentes”, diz o coordenador geral do Sindieletro-MG, Jairo Nogueira Filho.
De acordo com ele, um profissional contratado pela Cemig recebe quatro meses de treinamento antes de iniciar o trabalho e tem suas atividades supervisionadas durante um ano. Já quem é contratado por uma empresa que presta serviço à estatal tem apenas 15 dias de treinamento antes de ser mandado a campo sem supervisão alguma.
Esses terceirizados também têm um salário 66% menor do que os funcionários próprios e recebem um adicional por produtividade, o que os leva a praticar jornadas diárias de até 12 horas para tentar aumentar o orçamento. A Cemig foi procurada por telefone e e-mail, mas não comentou o assunto.
ELETROCUTADO
Desamparo dói mais do que choque Fonte Normal
PUBLICADO EM 26/04/15 - 03h00
Uma falha de comunicação e uma descarga de 7.800 volts. De repente, o eletricista terceirizado Lúcio Nery, 38, perdeu as duas mãos e a perna esquerda porque recebeu um falso sinal de que a rede estava desligada. Entre inchaço, queimadura e três meses de hospital, nada doeu mais do que a volta para a casa. A caçula de Nery, então com 8 anos, não o reconheceu. “Eu fiquei com medo. Pensei que ele não era meu pai, porque meu pai não tinha os braços cortados”, conta Iorrane Nery, hoje com 10 anos.
Foi um cachorro, um pincher chamado Trezentos, que restabeleceu a harmonia entre pai e filha. “O nome é exatamente quanto paguei por ele. Foi um elo que ajudou a reconquistar meus filhos”, lembra o eletricista. “Meu pai faz tudo. Prepara a comida, ensina meu irmão a criar antena e a fazer canteiro. A gente brinca, dança. E eu acabei com ele no jiu-jitsu”, conta filha Yasmin, 12. “Hoje eu sou a cabeça e meu mais velho, Ezequias, 15, são meus braços”, diz Nery.
Dois anos depois do choque que tomou em Patrocínio, no Triângulo Mineiro, ele briga na Justiça para que a Cemig arque com suas próteses. “Já fiz exames e testes. Para as mãos, cada prótese custa R$ 150 mil”, afirma. Nery não era funcionário direto da Cemig, mas de uma empreiteira que prestava serviços para a concessionária. “A cobrança das empreiteiras é grande para fazer o serviço, às vezes não dá tempo nem de colocar os equipamentos ou fazer todos os procedimentos de segurança. E quando tem acidente, nem sempre a terceirizada repassa. Já vi ocorrências que nunca foram informadas. Eu mesmo já caí de poste e capotei na estrada. Os funcionários têm medo de ser demitidos ou de ficar queimados no mercado, então aceitam esconder”, conta Nery que, no dia do choque, estava há 16 dias trabalhando.
O Ministério Público do Trabalho entende que, além da contratante, a tomadora do serviço também tem responsabilidade solidária, pois tem que exigir que a empresa contratada cumpra as obrigações de segurança. (APP e QA)
Invalidez custa caro para a Previdência
Entre 2008 e 2013, o desembolso da Previdência com os males causados pelo trabalho chegou a R$ 50 bilhões
Aposentadorias por invalidez e auxílios por doença e acidentes de trabalho custaram à Previdência Social R$ 11 bilhões em 2013, último dado disponível
PUBLICADO EM 28/04/15 - 08h10
ANA PAULA PEDROSA
QUEILA ARIADNE
No ano passado, o eletricista Farley Santos Marques levou uma descarga elétrica durante o trabalho, perdeu as duas mãos e uma perna. “Cada dia está sendo uma luta. Tenho que reaprender a fazer tudo. É muito difícil sem as mãos”, conta ele, que, aos 28 anos, está aposentado por invalidez. Além do trabalho, Marques deixou de fazer atividades de que gostava, como jogar futebol com os amigos.
Aposentadorias por invalidez como a de Marques e auxílios por doença e acidentes de trabalho custaram à Previdência Social R$ 11 bilhões em 2013, último dado disponível. O dinheiro seria suficiente, por exemplo, para construir e equipar 40 mil postos de saúde, ou comprar 140 mil ambulâncias. Entre 2008 e 2013, o desembolso da Previdência com os males causados pelo trabalho chegou a R$ 50 bilhões. Os valores são ainda maiores, porque o órgão não informou quanto gasta com as pensões às famílias das pessoas que morrem em acidentes.
No caso do eletricista, ele conta que, depois do acidente, passou a receber cerca de R$ 2.000 por mês como aposentadoria. O valor é 25% maior do que o salário que ele ganhava na empresa onde trabalhava, uma terceirizada da Cemig. Ele explica que o acréscimo foi concedido pelo INSS por causa das necessidades especiais de sua nova condição. “Eles consideraram que eu precisaria de alguém para me ajudar, porque perdi dois membros superiores e um inferior e não tenho como fazer nada sozinho”, afirma.
Diretos e indiretos. De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), os custos dos acidentes de trabalho podem ser agrupados em três categorias: diretos, indiretos e humanos. Os custos diretos são aqueles associados aos tratamentos e reabilitação. Os indiretos são as oportunidades perdidas pelo trabalhador, pelo empregador, pelos colegas de trabalho e pela sociedade, incluindo custos previdenciários, salariais, administrativos e de produtividade. Já os custos humanos são referentes à piora na qualidade de vida da pessoa acidentada e de sua família.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 4% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial seja gasto por ano com custos diretos e indiretos de doenças e acidentes ligados ao trabalho. O valor estimado é US$ 2,8 trilhões no mundo, cerca de R$ 8,4 trilhões. A cifra supera em 50% o PIB do Brasil, que foi de R$ 5,5 trilhões no ano passado.
Trabalhador tem braço arrancado em Araxá
“Epidemia Silenciosa” começou a ser publicada pelo O TEMPO há três dias. Desde então, 6.060 pessoas já foram vítimas de acidentes de trabalho no Brasil. Ontem, Bruno Gonçalves dos Santos foi uma delas. Ele teve o braço arrancado enquanto limpava a correia de uma máquina da linha de produção da Vale Fertilizantes, em Araxá, na região mineira do Alto Paranaíba. O trabalhador foi transferido para um hospital em Ribeirão Preto (SP). “A notícia que temos é que ele fez uma cirurgia para reimplantar o braço e agora tem que esperar 48 horas para avaliar se terá alguma rejeição”, afirmou o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Extração Mineral, Química e de Fertilizantes de Araxá e região (Sima), Vicente Magalhães de Matos.
Segundo Matos, o acidente pode estar relacionado ao excesso de jornada. “Desde março, a empresa vem descumprindo a convenção. O acordo era para seis dias, com oito horas de trabalho, com quatro dias de folga. Mas, agora, está só com 60 horas de folga”, diz. A empresa está prestando assistência à vítima, mas não retornou aos contatos da reportagem para dar mais detalhes. (APP e QA)
“Dimensão humana não pode ser matematizada”
Os custos dos acidentes de trabalho vão muito além dos gastos previdenciários. Nas contas do professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em relações de trabalho José Pastore, chegam a R$ 71 bilhões por ano, considerando, além dos desembolsos do INSS, os custos para empresas e para o próprio trabalhador. O valor é equivale a 9% da folha de pagamento total do país.
“É uma cifra estratosférica e que mais do que justifica um esforço adicional de prevenção”, diz Pastore, no artigo “O Custo dos Acidentes e Doenças do Trabalho no Brasil”, publicado em 2011, mas que ainda é usado como referência. Ele ressalta a importância de priorizar a prevenção dos acidentes, dizendo que o processo educativo é mais eficaz do que a punição.
“O mais urgente, no caso do Brasil, é fazer os empresários e os trabalhadores entenderem que condição de segurança é parte de um trabalho de boa qualidade de vida, o que, por sua vez, é essencial para competir e vencer”.
O especialista destaca também que os bilhões gastos anualmente não são capazes de medir a dimensão real dos impactos desses acidentes. “Os seres humanos valem muito mais do que todos esses cálculos. A dimensão humana não pode ser matematizada”, ressalta, no mesmo artigo.
PROCESSO
Vítima aparece como culpada
Em 2011, um juiz de Belo Horizonte ouviu uma construtora dizer que um pedreiro se jogou no fosso do elevador da obra para garantir uma indenização à família
PUBLICADO EM 28/04/15 - 08h16
ANA PAULA PEDROSA
QUEILA ARIADNE
Nos anos 60 e 70, quando trabalhava em mineração, Vicente do Carmo viu vários colegas sofrerem acidentes, alguns fatais, dentro da mina. Em muitos casos, lembra ele, a orientação da empresa era encobrir a verdadeira causa do acidente, jogando a culpa na vítima. Meio século se passou e a Justiça do Trabalho continua recebendo este tipo de alegação das empresas no Brasil. São muitos os processos que chegam aos tribunais com argumentação parecida: a de que o acidente ocorrido no local do trabalho, na verdade, foi suicídio ou fruto de riscos que foram assumidos de propósito ou por negligência do empregado.
Em 2011, um juiz de Belo Horizonte ouviu uma construtora dizer que um pedreiro se jogou no fosso do elevador da obra para garantir uma indenização à família. Nem a polícia, nem os peritos encontraram evidências do suicídio. O magistrado considerou que a argumentação da empresa beirava “as raias do absurdo” e deu ganho de causa à viúva e aos filhos do operário.
Em Montes Claros, no Norte do Estado, a administradora de um shopping alegou que uma funcionária da limpeza, que foi eletrocutada ao fazer faxina no banheiro, também procurou a própria morte. Segundo a empresa, ela se trancou no local, tirou os equipamentos de segurança e, descalça, encostou na tomada enquanto o piso estava molhado. A perícia comprovou que o problema, na verdade, era a falta de manutenção da rede elétrica. O caso aconteceu em 2013.
Estresse. No Rio de Janeiro, só depois de morto, um bancário teve reconhecidas a pressão e o assédio moral aos quais era submetido diariamente no trabalho. A família conseguiu provar na Justiça que as causas do infarto que o matou foram o estresse provocado pela excessiva cobrança para o cumprimento de metas e a constante ameaça de demissão.
O trabalhador morreu em 2011, mas a ação foi julgada neste ano. A família ganhou o direito de receber R$ 200 mil a título de danos morais e mais uma espécie de pensão equivalente ao último salário do funcionários pelos próximos 24 anos.
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